Aprender com o trumpismo para sufocar o bolsonarismo. Um caminho possível na análise de Hal Foster.

Aprender com o trumpismo para sufocar o bolsonarismo. Um caminho possível na análise de Hal Foster.

“A mentalidade fascista é a mentalidade do "Zé Ninguém", que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Não é por acaso que todos os ditadores fascistas são oriundos do ambiente reacionário do "Zé Ninguém". É o que Wilhelm Reich concluiu, ainda em 1933, em sua reflexão sobre o fascismo.

Hal Foster

Hal Foster

Quase um século depois, estamos novamente às voltas com a mentalidade fascista, uma tragédia que de tanto se repetir já não podemos mais falar em farsa, a pergunta que Hal Foster se fez é justamente o que precisamos identificar imediatamente: O que vem depois da farsa?

Em sua análise intitulada “Pai Trump”, Hal Foster descreve um cenário com o qual nós brasileiros, infelizmente, nos vemos mergulhados diariamente.

"Diante do trumpismo, os métodos habituais da crítica parecem muitas vezes inadequados, quase esvaziados pela escala imensa da calamidade e por sua combinação versátil do burlesco com o letal. Se a farsa vem depois da tragédia, o que vem depois da farsa? E como devemos reagir ao que quer que isso seja?"

Há sempre um perigo nos paralelos, pois entre Trump e Bolsonaro nem tudo é semelhança, todavia, parece que nos mecanismos básicos se justificam as aproximações que fazemos constante ao lidarmos com a ressurgência de um fascismo que já está além da farsa.

"Sem dúvida, muitos de seus eleitores - lembremos que ele recebeu 63% dos votos masculinos brancos em 2016 - são machistas e racistas, abertamente ou não; é certo ainda que a maioria está irritada com as elites. Mas também - e especialmente - está excitada com Trump, excitada em apoiá-lo: há uma paixão positiva aqui, não só ressentimento negativo. Pode ser difícil para os progressistas entender por quê, porém uma maneira é sugerir que ele explorou "o vínculo erótico" que liga a horda ao pai primevo. Pois essa figura tanto encarna a lei (ele é o senhor absoluto dos irmãos) como efetua sua transgressão (ele pode agarrar qualquer mulher). Uma potente dupla identificação aparece aqui: os irmãos se submetem ao pai como autoridade e o invejam como fora da lei."

Charge: Simanca

Charge: Simanca

No mundo do Zé Ninguém, os novos líderes autoritários encarnam um duplo papel e o da transgressão é o mais surpreendente deles, pois é uma transgressão cujo objetivo é transgredir para regredir.

"O que deve fazer a esquerda quando a direita se apropria de suas estratégias culturais?[...] o golpe de misericórdia foi dado apenas recentemente e ocorreu no âmbito político, em que a transgressão foi usurpada pela direita. Quando Steve Bannon, um autoproclamado aluno de Lênin, propôs a "desconstrução" do governo, Trump respondeu com ordens executivas, nomeações e tuítes que, com extraordinária facilidade, descartaram todos os tipos de leis, costumes e convenções, alguns dos quais protegiam as pessoas sem poder. Cinquenta anos depois, o brado leninista "Esmaguemos o Estado!" foi revivido, a Casa Branca cumpriu ele mesma e com eficácia a tarefa. O fato de que para muitos norte-americanos o FBI e a CIA são a salvação é outro sinal de como a situação se inverteu."

“Quem ignora a existência de níveis variáveis de maldade está fadado a se tornar um servo do mal.” É o que Amos Oz defendia, mais como um alerta do que uma condenação. Nesse mesmo sentido é que deve-se observar a atuação de instituições como o FBI e a CIA nos EUA e talvez em contrapartida o STF e os governos estaduais no Brasil. Entretanto, o que resta a se fazer quando é o establishment que resiste e é a extrema direita que transgride? Como ser oposição?

"A tarefa, então, não consiste em simplesmente restaurar a lei, como a transgressão costuma fazer com o tabu, mas reinscrevê-la de outra maneira; não simplesmente conter a desordem, mas moldar sua disrupção em uma nova configuração de comunidade. Esta é a oportunidade no presente período de caos político: converter a emergência disruptiva em mudança estrutural.
[...]
Como bem sabemos, a indústria cultural tem seu quinhão de Trumps-macacos, e muitos de seus quadros estão profundamente envolvidos na economia política da marca Trump.
[...] 
Ao mesmo tempo, não deveríamos deixar que pessoas mal-intencionadas obtivessem passe livre onde, mais do que tudo, deveriam responder por seus atos - no âmbito político. A tarefa é exigi-lo também nesse âmbito, sobretudo aí."

Com tudo no ar há realmente a possibilidade de mudança, entretanto, resta o saber fazer, o poder para vencer diante desses deslocamentos repentinos de papéis. O desnorteamento da oposição hoje não é à toa, nem má vontade, é talvez uma reconstrução, pois aos poucos surgem no horizonte novas possibilidades, ainda que tênues.