Como identificar o fascismo, reconhecer suas origens e resistir. Uma leitura de Wilhelm Reich.

“Reconheço as graves complicações que levam à sua intolerância; mas deploro ainda mais a injustiça e a insensatez de passar às gerações seguintes o estigma dos seus feitos.” escreveu Hellen Keller em sua poderosa carta aos nazistas que queimaram seus livros. Diante da barbárie o medo e a incerteza fazem até os melhores questionarem a importância de suas aspirações e obra como reflete Mary Ruefle. Entretanto, é necessário conhecer a fundo as forças que direcionam nossa realidade e a sociedade em que vivemos para nos precavermos e agir a contento diante de cada ameaça.
São essas forças subterrâneas que Wilhelm Reich (24 de março de 1897 —3 de novembro de 1957), médico e psicanalista austríaco, explorou em seu livro “Psicologia de massas do fascismo”, uma abordagem tanto do ponto de vista político-econômico quanto psicológica, bem como das relações entre as diversas esferas envolvidas.
Primeiramente ele explica o que há de específico no fascismo que não se encontra na direita e no militarismo comum:
“O fascismo como um movimento político distingue-se de outros partidos reacionários pelo fato de ser sustentado e defendido por massas humanas.
[...]
É necessário fazer uma distinção rigorosa entre o militarismo comum e o fascismo.
[…]
Como o fascismo é sempre e em toda a parte um movimento apoiado nas massas, revela todas as características e contradições da estrutura do caráter das massas humanas: não é, como geralmente se crê, um movimento exclusivamente reacionário, mas sim um amálgama de sentimentos de revolta e ideias sociais reacionárias.”
Se há algo de transformador e revolucionário no levante contra as situações intoleráveis a que pessoas são submetidas, é necessàrio saber como esse levante é usado sob uma estrutura fascista.
“A revolta fascista tem sempre origem na transformação de uma emoção revolucionária em ilusão, pelo medo da verdade.
O fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio.”
Obviamente, se fala em irracionalidade, Reich também agrega as teorias raciais e segregacionistas, bem como a religião, ao alicerce do fascismo:
A teoria racial não é uma criação do fascismo. Pelo contrário, o fascismo é um produto do ódio racial e a sua expressão politicamente organizada.
“O caráter sádico-perverso da ideologia da raça revela-se também na atitude perante a religião.
[...]
O fascismo é a expressão máxima do misticismo religioso. Como tal, reveste-se de uma forma social particular.Em resumo, transpõe a religião, do "campo extraterreno" da filosofia do sofrimento, para o "domínio terreno" de assassínio sádico.”
O que é então a mentalidade fascista? Quem é o portador, a unidade, da massa que ergue o fascismo? Wilhelm Reich diz, curto e grosso, é o Zé Ninguém.
“A mentalidade fascista é a mentalidade do "Zé Ninguém", que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Não é por acaso que todos os ditadores fascistas são oriundos do ambiente reacionário do "Zé Ninguém".”
Pessoas subjugadas mas sedentas de autoridade existem aos milhões, como então lidar com a escalada do fascismo? Como enfrentar a sanha que domina as massas?
“O fascismo só pode ser vencido se for enfrentado de modo objetivo e prático, com um conhecimento bem fundamentado dos processos da vida. Ninguém o consegue imitar nas manobras políticas e diplomáticas e na ostentação, mas o fascismo não tem resposta para os problemas práticos da vida porque vê tudo apenas como reflexo da ideologia ou sob a forma dos uniformes oficiais.”
Ver então por fora da ideologia, viver fora das dicotomias que nos impõem e das identidades de massa, se faz uma saída.
“Na nossa sociedade, o trabalho, o amor e o conhecimento não são ainda a força determinante da existência humana. E mais: estas grandes forças do princípio positivo da vida não estão ainda conscientes do seu poder, do seu valor insubstituível, da sua extraordinária importância para o ser social. É por isso que hoje, um ano depois da derrota militar do fascismo partidário, a sociedade humana continua à beira do precipício. A queda da nossa civilização é inevitável se os trabalhadores, os cientistas de todos os ramos vivos (e não mortos) do conhecimento e os que dão e recebem o amor natural, não se conscientizarem, a tempo, da sua gigantesca responsabilidade.”
Wilhelm Reich se perguntou o que os brasileiros ainda hoje precisam responder.
“A liberdade humana e social, a autogestão da nossa vida e da vida dos nossos descendentes processar-se-á em paz ou na violência? Esta é uma pergunta angustiante, para a qual ninguém sabe a resposta.”
Wilhelm Reich e outros que viram de perto o monstro político nos alertam, senão como uma profecia ao menos como um recurso, uma fonte de conhecimento para não repetir os erros do passado. Todavia, sabemos o quanto, ainda hoje, desvalidamos nosso patrimônio intelectual e humano.
Complemente essa leitura com a advertência de Noam Chomsky aos intelectuais acerca de suas responsabilidade diante da selvageria.
