A (não) imaginação do Estado e o posicionamento do escritor: o olhar de Amos Oz

"Quem ignora a existência de níveis variáveis de maldade está fadado a se tornar um servo do mal." - Amos Oz
“Como imagina o Estado” é o título de um painel de debates promovido pela PEN América formado por um seleto grupo dos melhores escritores da época: Mario Vargas Llosa, J. M. Coetzee, Günter Grass, Nadine Gordimer, Kobo Abe e outros. Entre eles estava também o israelense Amos Oz, ativista pela paz e escritor prolífico, pondo às claras sua visão sobre o Estado e, principalmente, a atividade política dos escritores.
Amos Oz começa por uma autocrítica tanto do papel do escritor como o de reuniões institucionais como aquela onde se delineava mais claramente o agir político do escritor além de sua obra:
“Eu rejeito a imagem de um grupo santificado de escritores marchando bravamente para combater impiedosas burocracias em defesa de outros seres humanos mais amáveis e simples que estão por aí. Eu não faço parte desse negócio de Belas contra Feras.”
O escritor segue delineando o choque entre as obras complexas e as ações que se baseiam em um olhar raso sobre o mundo, uma advertência que se aproxima do que Noam Chomsky diz sobre o papel do intelectual diante da ideologia:
“Me surpreendo constantemente com o abismo entre o que vemos quando escrevemos nossos poemas, contos, peças e o que fazemos quando formulamos ou assinamos petições, manifestos, títulos para discussões penais em nossas conferências como se estivéssemos usando dois pares de olhos contraditórios e os aqui presentes não são exceção, eu não sou exceção. A maioria tem uma boa noção sobre os dragões que habitam o coração humano, entretanto, fora das nossas obras literárias tendemos a soar como se acreditássemos numa suposição simplista, perigosa, Jean-Jaques Rousseauniana de que governos e establishment são perversos, todos eles, enquanto as pessoas comuns nascem puras e amáveis, todas elas.”
Borges, ao falar do papel do escritor, ressalta que o escritor precisa escrever o que acredita, do contrário não deve esperar que seus leitores o levem à sério. Amos Oz aponta além desse encargo também a necessidade de o escritor se responsabilizar pelo que acredita:
“Quem ignora a existência de níveis variáveis de maldade está fadado a se tornar um servo do mal.
[…]
Nós não necessariamente colecionamos ou refletimos fatos, nós inventamos, torcemos, exageramos, distorcemos, viramos as coisas de cabeça para baixo. Porém perceba, no momento em que transformamos as coisas em palavras as palavras são promovidas a evidência, daí surge a responsabilidade por precisão, por nuances, por sutilezas.”
Numa conclamação à sobriedade, Amos Oz termina seu discurso de dessacralização do escritor com um pedido de retorno do escritor ao seu papel de agente político, mas sem abrir mão de sua essência.
“Amigos, não imputemos uma imaginação demoníaca ao Estado e uma imaginação redentora a nós mesmos. Está tudo em nossas cabeças. Não nos rendamos à tentação da simplificação. Nós devemos separar o ruim do pior e do horrível.”
Uma das importantes contribuições do painel, Amos Oz ergueu questões que não podemos deixar de lado em períodos sombrios como o que vivemos.
