Com Virginie Despentes: A cura pela escrita, feminismo e o estupro como assunto dos homens

“Estupro é uma região escura e sem linguagem para os homens. É como a noite.” - Virginie Despentes
Virginie Despentes é uma escritora e diretora de cinema francesa que precisa ganhar espaço no mercado editorial brasileiro o quanto antes. Recentemente, a editora n-1 edições publicou o “Teoria King Kong” um livro que transita entre a teoria, o manifesto e a memórias da vida de Despentes onde, assim como seus filmes e outros textos, o feminismo, a violência de gênero, a prostituição e os estereótipos são temas centrais de sua discussão.
Em entrevista para o canal Broadly, Virginie Despentes fala de sua carreira, feminismo e de suas próprias experiências com a prostituição e o estupro que sofreu:
“Quando eu fui estuprada 30 anos atrás, se você fosse estuprada, você ia se ver completamente sozinha. Ouvindo coisas do tipo, “Que pena, você devia ter morrido. Você nunca mais vai ser a mesma, nunca vai se recuperar”, coisas que não ajudam em nada. Era difícil encontrar ferramentas para sair do trauma e crescer em cima disso. ”
Numa fala que traz à mente o que Hilda Hilst dizia sobre ser escritora e a importância da escrita, Despentes conta o que foi o seu livro tanto para quem lê quanto para quem escreveu:
“Eu nunca pensei que escrever era algo que te ajudasse a se curar mas acho que eu mudei muito depois de publicar o Teoria King Kong. O Teoria King Kong foi lido por muitas mulheres aqui na França e eu me conectei com muitas, muitas delas. Então eu suponho que houve algum processo de cura aqui. ”
Chimamanda Agozie chama a nossa atenção para as expectativas de gênero e os problemas do comportamento ensinado a meninos e meninas dentro de nossa sociedade. Já Virginie Despentes aponta para um aspecto importante, o fato dessas expectativas distanciarem os homens de tal forma dos problemas que quando se trata de estupro, por exemplo, mal existe um vocabulário capaz de permitir que os homens possam elaborar seus pensamentos acerca do tema e desenvolverem uma linha de pensamento mais saudável:
“Eu quero muito ver os homens realmente se reunirem e, por favor, tentarem entender o que há de errado com eles, como você pode ser um estuprador? Como você pode prevenir isso? Porque a gente não consegue. Estupro é uma região escura e sem linguagem para os homens. É como a noite. Se você levar alguma luz ali, acho que as coisas poderiam mudar. ”
Em uma única pergunta Virginie Despentes resume o problema da disparidade entre gêneros e da forma como tratamos a violência sexual atualmente:
“Mas, às vezes, eu generalizo sobre os homens. Eu não os odeio, mas gosto de poder tratar os homens da mesma forma como somos tratadas a maior parte do tempo. Me sinto confortável com isso. Se achamos que estupro é importante e se você realmente aprende que tem o direito de matar um homem se ele quiser abusar de você, acho que isso muda tudo. Mas será que achamos mesmo que o estupro é importante a ponto de permitirmos que as mulheres matem os homens? Na minha opinião essa é uma pergunta interessante. ”
É nesse diálogo que transita entre a compreensão, a sabedoria e a combatividade que Virginie Despentes dá uma aula de feminismo, desenvoltura intelectual e pragmatismo para todos nós.
Ainda em torno dos problemas que as mulheres enfrentam por conta do machismo, é sempre importante lembrar o que Lygia Fagundes Telles tem a dizer sobre o início de sua carreira como escritora, carreira que apesar dos entraves de gênero, alcançou o inquestionável sucesso.
A entrevista completa com Virginie Despentes, em inglês, pode ser vista abaixo:
