Lygia Fagundes Telles sobre o machismo na literatura e o objetivo da escrita

“Eu dizia: estou escrevendo tão bem e vocês não estão falando do meu texto, estão falando da minha cara. Isto me deixava muito infeliz e eu me sentia perseguida.” – Lygia Fagundes Telles
Laureada com alguns dos maiores prêmios literários da língua portuguesa como o Prêmio Camões de 2005 e os Prêmios Coelho Neto da ABL e o Prêmio Jabuti pelo livro “As meninas”, Lygia Fagundes Telles se consolidou como um vulto dentro da literatura nacional. Nascida em 1923, ela é uma figura sem a qual a língua portuguesa seria menos rica, tanto por sua extensa obra quanto pela qualidade de sua produção e de sua atuação enquanto intelectual.
Em entrevista ao Programa Roda Viva do canal Cultura, a escritora conta em uma hora e meia sua história. Desde sua formação ao contato com grandes nomes da literatura como Mario de Andrade e Jorge Luís Borges. Ao comentar seu primeiro livro que veio a cortar de suas obras por considerá-lo imaturo ela diz como via a vocação de escritora:
“Eu tinha vergonha de dizer que eu tinha vocação, porque eu achava que a vocação exigia sucesso. Com o passar do tempo é que eu percebi: não tem nada a ver com sucesso.”
E é essa vocação que a permite navegar por temas da vida humana com grande maestria e ao mesmo tempo traçar um caminho para seu leitor, uma possibilidade. Para Lygia a palavra tem uma utilidade tão clara quanto seu objetivo enquanto escritora:
“Se eu puder ajudar o meu próximo, no seu sofrimento, no seu medo, na sua luta, que é a minha luta também e que é o meu medo e que também é o meu sofrimento. Se eu puder ajudar o outro com esta palavra, missão cumprida. Quando a morte olhar nos meus olhos e disser “vamos”, eu digo: estou pronta, eu fiz o que pude.”
Porém essa ajuda nem sempre vem de uma forma tão cristalina através da obra escrita. Ela também vê certa opacidade no texto literário que embora esconda a mensagem, serve como um potencializador daquilo que a literatura tem a oferecer:
“Eu não faço questão de ser compreendida. O escritor não precisa ser compreendido porque a compreensão é muito difícil. […] O escritor ele contorna, ele também não abre muito o jogo, ele joga. O leitor fica um cúmplice, fica um conivente. É como um criminoso que vai cometer o seu crime e precisa então de toda aquela circunstância que vai ajudá-lo a fazer a coisa o mais perfeitamente possível.”
Escrever em círculos dominados por homens e em tempos de uma opressão às mulheres ainda mais cerrada que a de hoje não era tarefa fácil. Ela expõe as insatisfações dos seus tempos de iniciante que ainda são muito atuais para as novas escritoras, mesmo tantos anos depois:
“Eu era jovem, bonita e eu queria ser mais inteligente. Aí o preconceito. Eu era bonita e tal, então eu queria que me respeitassem e não respeitavam porque vinham com um negócio de beleza, eu ficava uma fúria, tá entendendo? Porque eu dizia: eu estou escrevendo tão bem e vocês não estão falando do meu texto, estão falando da minha cara. Isto me deixava muito infeliz e eu me sentia perseguida.”
Ao fim da entrevista ela comenta seu último contato com o argentino Jorge Luís Borges, questiona a superficialidade da mídia tradicional contemporânea e defende o respeito à inteligência do povo brasileiro. O texto de hoje é um convite à essa pequena aula de história, literatura e arte. Ouvir uma escritora desse nível só fica atrás da leitura de seus livros, também recomendados.
Assista à entrevista completa:
