A colossal profundidade que habita a insignificância, explorada por Virginia Woolf

“Esse último protesto era magnífico e tão frenético que conseguiu se erguer mais uma vez.” – Virginia Woolf
Um dos grandes feitos de grandes escritores é nos mostrar, através das coisas mais inócuas e óbvias que nos rodeiam, toda uma riqueza e profundidade que não enxergaríamos facilmente sem esse esforço literário. Nesse quesito, Virginia Woolf foi quem escreveu um dos textos mais instigantes a partir de quase nada; para ela bastou uma mariposa presa em uma janela de vidro. Assim surgiu seu texto “A morte da mariposa”, publicado em 1942.
Descrevendo a existência minúscula do inseto, Virginia Woolf traz em seu texto ecos daquilo que Camus deixa explícito ao falar do Mito de Sísifo, a possível pequenez da vida e o aspecto trágico que surge da consciência desse estado:
“As possibilidades de prazer naquela manhã pareciam tão enormes e tão variadas que ter na vida apenas o tempo que cabe a uma mariposa, e ainda por cima um dia como o de uma mariposa, parecia um destino árduo, e seu entusiasmo em aproveitar ao máximo suas escassas oportunidades, patético. Ela voou vigorosamente para um canto de seu compartimento e, após aguardar ali por um segundo, voou para o outro canto. O que restou a ela senão voar para um terceiro canto e então para um quarto? Aquilo era tudo que ela podia fazer, apesar do tamanho dos campos, da vastidão do céu, da fumaça das casas ao longe e da voz romântica, vez ou outra, de um barco a vapor no mar. O que ela podia fazer ela fez. ”
Virginia humaniza, ou melhor, nos sensibiliza para a vida daquela pequena criatura de forma que a meio caminho do final já não se trata mais da mariposa, estamos diante de algo muito maior, um embate que é a luta de todo ser vivo.
“Após talvez a sétima tentativa ela escorregou do ressalto de madeira e, balançando suas asas, caiu de costas no parapeito da janela. Seu desamparo me despertou. Ficou claro para mim que ela estava em apuros; ela não podia mais se levantar; suas pernas se debatiam em vão. Porém, enquanto eu estendia um lápis, querendo ajudá-la a se erguer, compreendi que o fracasso e o desajeito eram a aproximação da morte. Larguei o lápis novamente. ”
Albert Einstein dizia que não se cansava “de contemplar o mistério da eternidade da vida” mesmo que seus esforços fossem desproporcionais diante desse problema. Assim como ele vislumbrava algo de grandioso, mas inescrutável, é Woolf quem nos transmite, senão uma resposta, ao menos uma forma mais bem acabada dessa fascinação pela vida:
“Ainda assim, após uma pausa por exaustão as pernas se debateram novamente. Esse último protesto era magnífico e tão frenético que conseguiu se erguer mais uma vez. É claro que a simpatia se depositava toda a favor da vida. Ainda, quando não havia ninguém para se importar ou saber, esses enormes esforços por parte de uma mariposa insignificante, contra uma força de tamanha magnitude, para manter o que ninguém mais valoriza ou deseja manter, eram estranhamente comovedores. De novo via-se a vida, uma pérola pura. ”
Virginia Woolf fez em poucas páginas o que muitos escritores não alcançaram em anos de escrita, é um pequeno texto que precisa ser lido do início ao fim, pois como dizia Hilda Hilst, “diante da morte, a gente nunca está realmente conformada” e a escrita tem um papel importante a cumprir em nossas vidas.
Enquanto eu pesquisava sobre “A morte da mariposa” não encontrei na internet nenhuma tradução para o português minimamente utilizável desse texto. Para resolver esse problema e tornar o texto mais acessível, eu mesmo fiz uma tradução despretensiosa, mas que vai servir para um primeiro contato caso a leitura do original não seja uma opção.
