O papel intelectual do arquiteto, por Rem Koolhaas

“É muito importante que não estejamos despreparados ao nos lançarmos em um projeto.” – Rem Koolhaas
Em 2006 Rem Koolhaas e Peter Eisenman estiveram na sede da Architectural Association em Londres para um debate mediado por Bret Steele. Tanto Koolhaas quanto Eisenman são nomes pivotantes da arquitetura contemporânea e aproveitaram o debate não só para delinear as diferenças em suas visões mas também o lugar da arquitetura no panorama contemporâneo.
Koolhaas, professor em Harvard e fundador do escritório OMA, delineia uma arquitetura engajada e multidisciplinar:
“Penso que temos que olhar de outro modo para a disciplina da arquitetura em relação ao mundo. Se há várias possibilidades entre fazer mudanças no mundo e deixa-lo como está, o arquiteto está sempre do lado da mudança. Se essas possibilidades se estendem entre executar ideias e observá-las, o arquiteto está sempre do lado da execução. Não entendo como uma profissão pode se realizar com essa combinação de intervenção, mudança, execução e ação como base para a prática, deixando a abstinência, a observação e a reflexão à margem."
Numa tentativa de conectar a atuação do arquiteto às possibilidades que emana da arquitetura e de próprias soluções, seus princípios, Rem Koolhaas explica como seu escritório enxerga as possibilidades do projeto:
“Como arquitetos, somos intelectuais, mas estamos operando estritamente dentro da arquitetura. Se eu quiser ser totalmente honesto, diria que, em nosso escritório, temos tentado nos tornar não intelectuais da arquitetura, mas intelectuais públicos – ou seja, intelectuais capazes de contribuir em outros domínios além da arquitetura. ”
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“Temos buscado realizar isso, principalmente, tentando ver o trabalho não apenas como projetos arquitetônicos separados que chegam a nossos escritórios, mas em seu potencial para gerar novos tipos de trabalho. ”
A razão de ser da arquitetura foge ao público e o consenso é raro entre os próprios arquitetos, porém Koolhaas aponta um de seus projetos como um exemplo que incorpora a importância da arquitetura como realização pública de uma empreitada intelectual:
“Quando digo intelectual público, como falei anteriormente em relação ao que os arquitetos podem se tornar hoje, é para mim uma tragédia diária ver como a Europa é ruim nisso, e como a arquitetura é incompetente quanto à capacidade de comunicar ao mundo a sua raison d’être. Vocês provavelmente sabem que, como escritório, estivemos trabalhando em projetos que tentam abordar a questão de como representar a Europa politicamente no mundo e, ao mesmo tempo, explicar algo da história grotesca do continente e do destino mais ou menos plausível da União Europeia – tudo isso se configura como um tipo de atuação unificada maior. Para nós, foi motivo de incrível orgulho que os projetos de tendas que fizemos em Bruxelas, por exemplo, imediatamente tenham se tornado um tipo de território e centro para a ação política, bem como um inesperado espaço de ação islâmica. ”
Usar como exemplo a Tenda de Bruxelas que foi alvo de diversas críticas o fez então justificar melhor seu ponto de vista, de certa forma trazendo ao debate a preocupação, apontada também por Noam Chomsky em outro contexto, acerca da relação perigosa entre o intelectual e a ideologia:
“De modo nenhum a minha intenção é sugerir que a eclosão de uma família global ou comunidade global seja iminente, e que o arquiteto possa ajudar a viabilizar isso. Mas, em nosso trabalho no OMA, é muito claro para mim aquilo que queremos nos tornar, isto é, algo como especialistas globais, porque é dessa posição que poderemos então experimentar e responder à questão levantada agora pelo Peter – uma questão realmente significativa sobre se um arquiteto poderia construir um CCTV na Turquia em vez de, por exemplo, na China. Esse é exatamente o tipo de questão a que um arquiteto deve ser capaz de responder, uma vez que ela se refere de fato à cultura – sobre onde a Turquia atualmente se situa em termos de economia e de vários outros fatores. Se você está informado sobre as associações regionais, então pode ter certeza absoluta de que ninguém na Turquia jamais levantaria essa questão desta forma, mas isso é algo que nós podemos fazer, estando de fora. Simplesmente não há espaço político ou econômico para fazer um edifício como o da CCTV hoje. É muito importante que não estejamos despreparados ao nos lançarmos em um projeto. Como arquitetos, devemos ser capazes de abordar quase qualquer situação que encontrarmos e ser ativos em relação às nossas agendas. ”
A discussão completa foi transcrita no livro “Supercrítico” que compila também um debate da crítica especializada sobre os argumentos propostos; uma leitura instigante sobre o que pode ser visto tanto como crise quanto como reelaboração da arquitetura num momento de inflexão.
